“Aos três anos, ou mais cedo ainda como acontece com muitas crianças, já existe claramente o intuito de desenhar alguma coisa, de representar a realidade, de reproduzir algo que ela conhece ou que faz parte do seu imaginário: um cão, uma casa, uma fada.”É a chamada fase do realismo falhado, em que a criança se esforça por dominar o lápis e transformar um rabisco numa figura identificável. Aí pode começar a surgir a frustração, adverte a psicoterapeuta: “ As crianças têm uma capacidade muito grande em encontrar semelhanças entre um rabisco e um objecto, e podem ficar frustradas se nós não descortinamos o que está lá. Uma linha curva feita ao acaso é um caracol ou outro animal qualquer… nós é que não vemos o que elas vêem.” É preciso evitar comentários depreciativos: “Algumas crianças desenham até à exaustão a mesma coisa, na tentativa de encontrar semelhanças com a realidade.” Exercitando a mão, vão desenvolvendo a capacidade de atenção e a memória.
Uma cara pintada de azul, uma árvore roxa, um cão cor-de-rosa, porque não? Uma mão com dezenas de dedos, os pés ligados à cabeça, os botões fora do casaco, uma flor maior do que uma casa, uma chaminé na posição horizontal…É assim mesmo, não há nada de errado ou a corrigir. “Para elas o desenho é bonito assim. Há estudos comparativos e curiosos que mostram que as crianças preferem desenhos, por exemplo, da figura humana, feitos por crianças da mesma faixa etária ou um pouco mais velhas do que desenhos feitos por adultos que, evidentemente, são muito mais elaborados.” Para elas o desenho é bonito, mesmo que aos nossos olhos pareça arcaico. “Primeiro é preciso aceitar, valorizar, enquadrar e compreender o desenho naquela faixa etária. Com o tempo podemos dar sugestões mas não como reacção imediata.” Na idade pré-escolar a criança ainda não domina a cor, a dimensão, a perspectiva.
“Se a experiência é repetidamente frustrada, se os adultos não dão importância ou estão sempre a apontar falhas, a dizer que está feio ou que podem fazer melhor, a criança sente-se desvalorizada, vai desinteressar-se, vai desistindo.” O prazer de desenhar esmorece. A frustração instala-se e quanto menos pratica, mais se convence de que não sabe desenhar, de que não tem jeito para dominar o lápis. “Convém reservar um cantinho em casa onde as obras dos pequenos artistas possam estar expostas, geralmente é a porta do frigorífico…mas podemos igualmente destinar um sítio onde eles possam desenhar, riscar à vontade. Porque não pôr um painel no quarto deles?” sugere a psicoterapeuta. “Seria bom os pais e os avós incentivarem as crianças desde muito pequenas a fazer desenhos para oferecer como presentes em ocasiões especiais, com direito a embrulho e tudo. Isso será uma forma de as estimular e de as ocupar.”
Olhando para um desenho, podemos tentar adivinhar a idade da criança. A partir dos quatro/cinco anos entra-se na chamada fase do realismo intelectual, que se prolonga até aos seis ou sete anos, conforme as crianças. “Nesta altura, elas fazem questão de desenhar pormenores que, para nós, são desnecessários e que, frequentemente censurámos como estando a mais”, refere a psicóloga. Desenham o coração, o umbigo ou os órgãos genitais por cima das roupas, a comida no estômago, o cabelo debaixo do chapéu, o interior de uma casa…como se as pessoas e os objectos desenhados fossem transparentes. “A criança tem a preocupação de representar o que sabe que existe mesmo que não esteja à vista.” De repente lembra-se de adicionar mais uma pata ao dinossauro ou mais duas rodas ao automóvel, e o desenho parece ficar desproporcionado e rebatido.”Como se as figuras fossem esborrachadas, espalmadas nas folhas de papel, de modo a poderem ver-se todos os ângulos. São os chamados rebatimentos que, a par, das transparências, caracterizam os desenhos nestas idades.” Se existe, tem de caber no desenho, tem de estar lá. “ mais uma vez, os adultos não costumam entender esta necessidade das crianças de mostrarem o seu conhecimento e começam a fazer reparos, a apontar defeitos que, obviamente, não os incentivam a continuar.”
Quando as crianças começam a desenhar como se fosse uma fotografia entram na fase do realismo visual, o que habitualmente acontece por volta dos sete anos. “Desenham como os adolescentes o fazem, ou os adultos. Passam a ter uma exigência estética, querem combinar tons, usar noções de perspectiva, já não lhes interessa apenas reproduzir com pormenor a realidade, querem que o desenho seja esteticamente impressivo e apreciado. Infelizmente, é a fase em que a maioria das pessoas deixa de desenhar.”
Recapitulando, todos nós passamos pelas quatro fases de evolução do desenho infantil: realismo fortuito, a etapa dos rabiscos até aos dois anos, realismo falhado, entre os dois e os quatro anos; realismo intelectual, entre os cinco e os sete anos; e realismo visual, dos sete ou oito anos em diante. “Estas fases não são muito rígidas, há crianças que começam a desenhar tarde e outras mais cedo, a idade pode variar.” Primeiro vem o rabisco, depois os círculos e as figuras ainda pouco definidas, a seguir os desenhos sem noção de perspectiva e com pormenores “a mais” e, finalmente, os desenhos “fotográficos”, que tentam retratar a realidade como se fosse uma fotografia. Muitos não chegam a aperfeiçoar a ultima fase… Basta pedir a um adulto que faça um desenho e aí temos a resposta. “mas eu não tenho jeito para desenhar!” Será falta de jeito ou falta de técnica e de treino?
A criança fala através dos desenhos, comunica situações do seu quotidiano, exprime espontaneamente os seus interesses, medos e angústias, revela a noção que tem de si própria e a sua visão do mundo, real ou imaginária. “Quando a criança já é capaz de dominar alguns automatismos, começa a tentar comunicar através do desenho, conta uma história, como é frequente dizerem. O desenho passa a ser uma forma de comunicação, um meio onde retratam a alegria, o mal-estar, as dúvidas, as preocupações que possam sentir”, explica Celina Almeida.
“ Ao contrário dos adolescentes, as crianças não exprimem o seu mal-estar verbalmente. Se estiverem habituadas a desenhar, acabam por comunicar as suas emoções, o seu desconforto, através do desenho.” Por vezes, as crianças reagem mal a perguntas directas, sentem que o seu espaço é invadido, ficam ainda mais retraídas e incapazes de responder. Porque estás triste? Conta o que se passou? Estás zangado?. “ As crianças têm um pensamento mágico: se eu não verbalizar as coisas más e tristes que me passam pela cabeça, elas não acontecem! Receiam falar mas depois isso acaba por sair no desenho, fazem por exemplo, uma grande tempestade, com chuva, trovões e tudo destruído”. O mal estar é transmitido na folha de papel. O desenho pode ser o pretexto para a criança falar do que a preocupa. “Os pais e os educadores podem aproveitar essa oportunidade sugerindo à criança que fale sobre o que desenhou.”
A folha de papel serve como mediador. “É um espaço neutro que ajuda a desanuviar a tensão porque a atenção passa a estar centrada no papel. É também um espaço de projecção, a criança vai projectar nas figuras que desenha os seus sentimentos e as suas situações de vida.” Por isso é um instrumento tão usado nas consultas de psicologia.Os professores têm “uma formação insuficiente para compreender o desenvolvimento gráfico dos trabalhos das crianças. Com uma formação adequada seriam mais capazes de ajudar o desenvolvimento das crianças na arte e manter viva a sua imaginação”, afirma Maria Isabel Gândara, no seu livro Desenho Infantil – Um Estudo sobre os Níveis do Símbolo (Texto Editora). Quando desenham, as crianças esforçam-se por “representar emoções”, manipulando a forma, o contorno, o pormenor, a cor, e “inventam contextos para os seus desenhos”. Mas é preciso ouvir as respostas das crianças, diz a autora. “Os desenhos exprimem um significado que ultrapassa o aspecto concreto.”
Quando desenhamos, revelamos muito mais do que aquilo que supomos. “Todos conseguimos mentir pela linguagem oral, facial e até pelos olhos, criamos barreiras quando sabemos que estamos a ser observados. Mas não enganamos quando fazemos um desenho”, afirma o pintor Mário Ferraz, que frequentemente é convidado a ir a escolas na zona do Porto, onde reside, para ajudar os alunos a exprimir e apreciar a arte. “Às vezes lanço o desafio: desenhem qualquer coisa para eu saber algo sobre vocês. Eles ainda me perguntam: mas o que é que eu faço?”
“O desenho é um instrumento notável. Como ocupamos uma folha vazia? Que força imprimimos no nosso traço? Que tons escolhemos? Que tamanhos damos às figuras? Porque é que uns fazem casas muito pequenas e sem janelas e outros desenham casas grandes, cheias de portas e janelas abertas? Serão uns introvertidos e inseguros e os outros extrovertidos e mais confiantes? É possível encontrar muitos significados em tudo o que desenhamos ou pintamos. Mesmo que a nossa intenção seja mostrar o mínimo possível sobre nós, somos apanhados pelo desenho! É uma linguagem que raramente nos deixa mentir” assegura Mário Ferraz.
“As crianças precisam de tocar, de cheirar, de sentir a arte, de falar sobre o que as obras lhes sugerem.” Mário Ferraz acompanha algumas das visitas de estudo que são feitas às exposições: “Adoro ver a criançada aos pulos com os olhos cheios de vida a interpretarem à sua maneira aquilo que vêem. A arte tem de ser tacteada e conversada, as crianças são pródigas em descobrir significados, seja nos seus próprios desenhos, seja nos trabalhos dos outros.”
Interpretações abusivas
“Não se pode interpretar as mesmas coisas em idades diferentes. Aos três anos, a criança pode desenhar um cão maior do que a mãe porque ainda não tem sentido das proporções, apenas isso. Também não tem a noção de em cima e em baixo, de esquerda ou direita… É preciso ter cuidado com as interpretações abusivas, temos de ter em conta a idade da criança, o seu desenvolvimento cognitivo, seu traço habitual. Não basta olhar para um desenho isoladamente, é preciso ver um conjunto ou a sua evolução e, acima de tudo, conversar com a criança para que ela possa falar sobre o que está no papel”, refere a psicóloga Celina Almeida: “Não há uma interpretação rígida depende muito do contexto e da explicação da criança.”
Há desenhos que sobressaem pela profusão de cores, pela vivacidade, pela força do traço, outros pela intermitência, pela tonalidade sombria, pelo isolamento e a agressividade das figuras. “De um modo geral, os desenhos dos rapazes são mais activos, com temáticas relacionadas com acção e força, ao contrário dos desenhos das meninas que são mais contemplativos, com mais cor e motivos da natureza.” É preciso estar atento a padrões repetidos que indiquem mal-estar: “Se a criança sistematicamente desenha situações de violência, se risca alguma figura (na tentativa de a anular), se é incapaz de se desenhar a si própria, se faz desenhos sobre temas inabituais para a idade (não por mera criatividade) … pode estar por detrás uma preocupação que é preciso resolver. O primeiro passo é sempre falar com a criança. Mas pode acontecer que ela verbalize o contrário do que retratou. “Desenhei uma família feliz”, só que as figuras aparecem sem cabeça… O desenho é, muitas vezes, o único meio de ventilar as emoções negativas.”O desenho imprime o que se passa no nosso interior, pode revelar as nossas emoções e pensamentos, como um espelho inapelável. A percepção que temos de nós mesmos e dos outros, a nossa visão do mundo pode caber, por instantes, numa folha de papel. Porque desenham tanto as crianças e os adultos tão pouco? Porque insistimos em formatar o seu “meio de comunicação espontâneo” dando-lhes desenhos predefinidos só para colorir? Um lápis e uma folha pode ser afinal, o que elas precisam em certos momentos. É preciso olhar, calar e saber escutar os desenhos infantis. Sem recriminações.
6 comentários:
I thіnκ what yοu published waѕ very logicаl.
But, what аbout this? ωhat if you ωrote
a сatchiеr tіtle? I am not sayіng your informаtіon iѕn't solid., but what if you added a post title that makes people want more? I mean "O desenho [na crian�a]" is kinda boring. You should look at Yahoo's fгont page and watсh how they create post
titlеs to get people to click. Үou might аdԁ a relаted ѵiԁeo oг a rеlated
piсture οr two to grab readers exсited about what
you've written. Just my opinion, it might make your website a little livelier.
Here is my website ; v2 cigs review
Whаt's up to every body, it's my fіrst go to ѕee of
this ωebpаge; this wеb site caгries remarkable and genuinely excellent matеrial
іn support of reаderѕ.
Аlѕо ѵisit my blog pоst .
.. My Outfits Smell Brand New After I Smoke V2 Cigs
My site - V2 Cigs reviews
What's up it's me, Ӏ am also viѕiting thіѕ website on a геgular bаsis, this web sitе is truly nice anԁ the visitors are really ѕhaгing nice thoughts.
Feel free to visit my blog http://www.kevinswiki.com/index.php?title=make_big_savings_and_v2_ecig
Ӏt іs the best timе tο makе some plаns fοг the futuгe and it's time to be happy. I have read this post and if I could I want to suggest you few interesting things or suggestions. Perhaps you could write next articles referring to this article. I want to read more things about it!
Take a look at my website: http://bbeez40plus.com.au
My page :: Www.laresidenceapartments.com
Increԁiblе! This blоg looks exасtly lіkе mу olԁ one!
It's on a totally different subject but it has pretty much the same page layout and design. Excellent choice of colors!
Also visit my web blog; www.Prweb.com
Also see my site :: tux.ugr.es
Informatіve article, just what I needed.
Also visit my wеb page :: http://www.restoredinc.com/member/430835/
my page: V2 Cigs